Vamos começar esta matéria com uma reflexão: pense em tudo que você já aprendeu até hoje em sua vida profissional. Difícil, não? Se necessário, crie uma lista de temas/atividades que você domina. Basta uma lista com 5 a 10 itens. Escolha o item da lista que você mais domina. Agora relembre como você aprendeu este tópico. Seguem abaixo algumas dicas para ajudá-lo. Você pode criar outras opções se desejar.
♦ Lendo um livro
♦ Na aula da pós-graduação ou graduação
♦ Conversando com seu líder
♦ Implementando um projeto ou executando um trabalho
♦ Sessões de coaching e/ou mentoring
♦ Tendo que atender à necessidade de um cliente
♦ Conversando com colegas de trabalho
Para cada opção acima que você escolheu, atribua um valor de 1 a 5, sendo 1 = pouco relevante para o seu aprendizado e 5 = muito relevante para o seu aprendizado.
Eu não ficarei surpreso se a maior relevância para o seu real aprendizado tenha se concentrado nas opções mais relacionadas à prática, como implementar um projeto ou atender à necessidade de um cliente, ou ainda com trocas entre pares ou mentores/coachs. E é exatamente disto que se trata o modelo 70-20-10, ou seja, a maior parte do nosso aprendizado vem das trocas e das experiências.
O modelo 70:20:10 surgiu nos anos 90 com o trabalho de Morgan McCall, Robert Eichinger e Michael Lombardo, do Centre for Creative Leadership, e atualmente tem sido aprimorado por Charles Jennings, fundador do 702010 Institute, que tive a feliz oportunidade de conhecer no ano passado, no ATD 2015, em Orlando, FL. A conclusão dos estudos sugere que profissionais bem-sucedidos atribuem a aquisição de suas competências a:
70% de missões difíceis e desafios profissionais, ou seja, por meio da experiência.
20% vindo de colegas e superiores, ou seja, por meio da troca.
10% à formação tradicional e leituras, ou seja, por meios formais de aprendizado.
Esta distribuição percentual do aprendizado é o que chamamos de modelo 70-20-10.
Temos uma inevitável reflexão: se 90% da aprendizagem real está concentrada nas trocas e nas experiências profissionais, por que cerca de 90% dos esforços das áreas de T&D estão concentrados nos 10% restantes (formação tradicional ou formal)? Talvez o motivo da ineficácia de alguns programas de desenvolvimento baseados somente em treinamentos formais esteja implícita no conceito do 70-20-10.
Vale lembrar que o Modelo 70-20-10 não é uma fórmula mágica a ser seguida, mas sim um modelo de referência a ser lembrado e considerado ao se pensar em programas de treinamento e desenvolvimento. Há muitos críticos questionando a validade das pesquisas e estudos que levaram aos “números mágicos” 70, 20 e 10, mas um fato não se discute: as experiências são realmente relevantes ao aprendizado profissional.
Mas como este modelo pode afetar o trabalho dos responsáveis por conceber, aplicar e acompanhar programas de treinamento e desenvolvimento? Seguem abaixo alguns insights e questões importantes para se considerar na adoção deste modelo:
E quanto ao treinamento formal? Devo abandoná-lo?
Definitivamente não. Apesar de representar “apenas” 10% do desenvolvimento profissional segundo o modelo 70-20-10, o treinamento formal tem um efeito amplificador, pois clarifica, suporta e acelera os outros 90%. O inverso também é verdadeiro: práticas autênticas e bem planejadas potencializam o uso dos 10% formalmente aprendidos. Além disso, um conteúdo certo na hora certa pode ter um efeito muito maior que os 10% trazidos pelo modelo. Inclusive há grandes discussões na comunidade acadêmica se o 70-20-10 deve ser 80-15-5 ou 60-25-15. Na prática, isto não importa muito.
É possível melhorar de maneira significativa a performance dos colaboradores usando o modelo 70-20-10 como modelo de referência?
Apesar do modelo 70-20-10 ter origem nos anos 90, foi apenas recentemente que se tornou mais conhecido no mundo de T&D. Ainda não existem muitos estudos científicos que comprovem sua eficácia, mas empiricamente vem sendo adotado em grandes empresas em todo o mundo, e se tornando um dos principais modelos de referência para se planejar programas de treinamento e desenvolvimento.
Como a implementação do modelo 70-20-10 afeta o trabalho do profissional de T&D?
Este talvez seja um dos temas mais comentados na comunidade mundial de T&D, uma vez que é muito comum a responsabilidade do profissional de T&D estar limitada aos 10% (aprendizado formal), e quando muito, aos 20% (processos de coaching). Com uma maior amplitude, este profissional passa a olhar o trabalho como um grande ambiente de aprendizado e propor ações mais completas e com maior abrangência, com maior foco no desempenho do profissional do que na “lista de presença” no dia do treinamento.
Se 90% do aprendizado vem das experiências e trocas, qual o papel do líder no desenvolvimento dos seus colaboradores?
Esta questão complementa a questão anterior. Se as experiências mais relevantes vêm de grandes desafios e práticas no ambiente de trabalho, o papel do líder de pensar cuidadosamente e fornecer desafios à altura do profissional em desenvolvimento se torna crítico e essencial. E a preparação destes líderes para exercer este novo papel (que não é apenas da área de T&D) também se torna relevante. Algumas empresas estão começando a usar o 70-20-10 como base para o processo de avaliação de desempenho, o que vem acelerando o processo de adoção deste modelo.
As grandes empresas estão adotando este modelo?
Sim, e o número de adeptos aumenta cada vez mais. Dentre as grandes empresas mundiais podemos citar: Nike, Dell, Maersk, Nokia, PWC, Ernest & Young, L´Oréal, American Express, Sony, Walmart, Coca-Cola, dentre muitas outras.
É possível melhorar a experiência em sala de aula usando o modelo 70-20-10?
O conceito do 70-20-10 pode ser adaptado para qualquer necessidade de aprendizado, inclusive para uma aula de 8 horas. Em um mundo onde a informação é disponível em tempo real, não parece fazer mais sentido longas aulas com apresentações em powerpoint e leituras intermináveis. Outras iniciativas como Flipped Classroom podem apoiar o modelo 70-20-10 e liberar espaço para experiências autênticas em sala de aula.
Que atividades se enquadram no 70, no 20 e no 10?
A figura abaixo traz algumas sugestões de tipos de atividades que podem se enquadrar em cada percentual do modelo 70-20-10.
■ Cursos estruturados (graduação, pós-graduação, mestrado, doutorado)
■ Workshops
■ Seminários
■ Congressos
■ Cursos EAD (a distância)
■ Certificações
■ Leituras de livros, artigos, etc
COMUNIDADES DE PRÁTICA PROFISSIONAL
■ Podem ser internas ou externas à empresa
■ Estimular o respeito à diversidade
■ Compartilhar conhecimento e histórias de vida
■ Estimular a interdependência
COACHING
■ Descobrir, desenvolver e alavancar forças e potenciais
■ Resolução mais rápida de conflitos
■ Melhorar a comunicação com grupos
■ Definir objetivos e eliminar obstáculos
■ Catalisar mudanças
TEAM COACHING
■ Discutir problemas complexos da empresa
■ Ouvir e refletir sobre as contribuições de outros
■ Tomar ações em grupo para resolver um problema
■ Feedback entre pares
MENTORING / COUNSELLING
■ Ser mentorado por um profissional mais experiente
■ Ouvir histórias de sucesso e de fracasso de projetos
■ Discutir possíveis formas de atuar sobre um mesmo tema
■ Discutir os resultados de suas ações
■ Feedbacks sobre ações e resultados
DESAFIOS FORA DA ZONA DE CONFORTO
■ Aumentar responsabilidades
■ Aumentar span de controle (número de subordinados)
■ Aumento de poder para tomada de decisões
■ Participar de um grupo para resolver um problema real de negócio
■ Substituir temporariamente o líder ou algum par
■ Exercer funções gerenciais (orçamento e entrevistas, por exemplo)
MUDANÇA E ADVERSIDADE
■ Gerenciar uma crise
■ Trabalhar em uma situação onde todos falharam
■ Trabalhar em novas iniciativas, como um novo produto ou serviço
■ Montar um time de projeto para lidar com um problema
■ Pegar um projeto existente que está ruim e melhorá-lo
RELAÇÕES DIFÍCEIS
■ Trabalhar com pessoas de outras unidades de negócio
■ Trabalhar com pessoas com visões contraditórias
■ Trabalhar em projetos envolvendo o cliente
■ Interagir com a gerência sênior (apresentações executivas, reuniões)
■ Liderar um time com pessoas de diversas áreas (projeto matricial)
PERSUADIR, ENSINAR E OBSERVAR
■ Convencer a gerência sênior a tomar uma decisão
■ Ensinar os pares a fazer uma tarefa do trabalho
■ Ser mentor de novos integrantes do time
■ Ser mentor de membros mais seniores na adoção de novas tecnologias ou mídias sociais
■ Implementar uma nova tecnologia de produtividade junto ao time
■ Observar um par realizando seu trabalho, em busca de melhorias
■ Trabalhar lado a lado com um expert
■ Realizar um trabalho de linha de frente por um tempo (atendimento, call-center, ouvidoria, etc)
TORNAR O TRABALHO TRANSPARENTE E DISCUTIR COM OUTROS
■ Compartilhar o que está fazendo com outros
■ Apresentar os processos da sua área para outros
■ Ser socialmente ativo em redes sociais no trabalho ou segmento em que atua
■ Organizar informações úteis e compartilhar com outros
Para dicas, sugestões, dúvidas, cases ou trocas sobre implementação do modelo 70-20-10 na sua empresa, entre em contato conosco! cesar.nanci@agoraentert.com.br |
Cesar Nanci é sócio fundador da Ágora-Entertraining, doutor em Engenharia de Produção, tem 12 anos de experiência em Gestão e Business Consulting e grande parte de suas competências foram adquiridas em grandes desafios. Cesar vem utilizando o modelo 70-20-10 para projetar programas de treinamento e desenvolvimento para líderes de grandes empresas nacionais e multinacionais.